O
Governo do Estado de São Paulo há pouco cometeu um crime. Um crime cujas
consequências atingirão o que temos de mais precioso, que é nossa humanidade,
uma humanidade que só existe em detrimento à outros seres. Somos humanos porque
somos diferentes de outras formas de vida que habitam esse planeta e o que nos
diferencia delas é a nossa capacidade de refletir sobre nossa própria
existência e tentar compreender e intervir de forma consciente no mundo que nos
abrigar.
Todos os humanos possuem as estruturas necessárias que permitem a
humanidade e dentre elas se destaca o cérebro. Mas a existência da estrutura
por si só não é suficiente, precisamos de ferramentas e know how para preenchermos o esqueleto estrutural com músculos,
nervos e gordura de modo que ela se torne viva e útil. Sem essas ferramentas
somos apenas uma promessa que jamais se realizará.
Essas
ferramentas são dadas pela educação. Precisamos recebê-las e aprender a usá-las,
precisamos, enfim, ser orientados no árduo caminho que nos tirará da
obscuridade e da ignorância e nos permitirá existir plenamente como seres
humanos.
O
que o governo do Estado de São Paulo fez foi privar nossas crianças da
possibilidade de receber e dominar essas ferramentas quando reduziu o currículo
escolar das instituições básicas de ensino público ao mais elementar do
elementar, às disciplinas de língua portuguesa e matemática.
É
claro que essas disciplinas são essenciais, sem elas nos falta a capacidade de
enveredarmos pelas outras disciplinas. Mas elas por si só não são suficientes.
A língua pela língua não significa muita coisa, ela precisa estar relacionada
ao mundo, ao tecido complexo que nos rodeia e que chamamos de sociedade. A
língua é o império dos significados, mas algo precisa ser outorgado de
significado para que tenha sentido! O mesmo vale para a matemática. As
operações matemáticas deslocadas de um vasto universo de representações e
significados não só é carente de sentidos como pode ser impossível.
São
outras disciplinas correlacionadas que dão esses significados. A biologia, a
geografia, a história, nos localizam no tempo e no espaço. Elas nos dão
identidade, elas nos formam e nos moldam, sabendo nós disso ou não.
Se
eu te pergunto: “Quem é você?” o que você vai responder? Dentre as muitas
possibilidades de resposta você poderia dizer que é brasileiro. Mas o que
significa isso? O que significa fazer parte de um grupo circunscrito à um
espaço geográfico e que é brasileiro por não ser argentino, de marte, ou apenas
um organismo dentre outros incontáveis que vivem no planeta azul? Você só pode
me responder por entender a linguagem que eu utilizei para fazer a pergunta, é
óbvio, mas apenas dizer “sou brasileiro” responde à poucas coisas se você não
tem absolutamente idéia do que isso significa. Pois a disciplina que dá
significado a “ser brasileiro” pode ser a história que nos ensina, dentre
outras coisas, o processo de construção das nações e das identidades nacionais.
Pode ser também a geografia que nos ensina noções sobre espaço e os impactos
que viver num território com certas características tem sobre nossas vidas e as
configurações específicas de nossa sociedade brasileira. Pode ser também a
biologia e seu maravilhoso aparato explicativo dedicado à nossa natureza e à
necessidade vital de vivermos em grupos, que hoje chamamos também de nações. Ou
melhor, o significado de “ser brasileiro” deve ser dado pelo conhecimento
correlacionado que essas disciplinas nos oferecem. Estou dando apenas um
exemplo, é claro.
O
ponto é, sem esse conhecimento mais complexo, mais amplo, ser capaz de
responder “sou brasileiro”, graças ao domínio da linguagem, diz muito pouco não
só para quem pergunta, mas também para quem responde.
Pois
bem, para dominarmos bem essas ferramentas que nos permitem sermos de fato
humanos – ou seja, seres capazes de compreender e atuar com consciência – é
crucial que tenhamos contato com as ferramentas desde muito jovens. Mas parece
que os burocratas não sabem disso. Talvez até saibam, e nesse caso o crime
deles é ainda mais hediondo pois eles estão atentando deliberadamente contra o
desenvolvimento HUMANO de nossos filhos quando os privam do contato com outras
disciplinas além da língua portuguesa e da matemática!
“Formaremos”
jovens e adultos incapazes de compreender, de criticar, de atuar num mundo que,
mais do que nunca, precisa de seres pensantes. Jovens que apenas sofrerão as
influências sem nem sequer perceber. Pois todos nós somos fruto de uma longa tradição
intelectual que moldou a nossa sociedade e a nós como indivíduos. Ter ciência
disso faz a diferença entre sermos capazes de refletir de fato ou não. Como nos
ensinou o filósofo “A história me
precede e se antecipa à minha reflexão. Pertenço à história antes de me
pertencer a mim mesmo.” P. Ricoeur.
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