sábado, 29 de novembro de 2014

Sobre meninos, lobos e egos

Eu não gosto de homens feministas. Também não gosto de brancos que posam como militantes da causa dos negros. Tampouco gosto de gente que mora em casa bem feita que dá uma militante pelas pessoas em situação de rua. A lista poderia se estender até o infinito, mas vou parar por aqui porque agora preciso explicar.

Eu sou uma mulher branca feminista e lésbica. Eu não sou contra o movimento negro, nem contra a luta pela moradia, pelo contrário! Eu apoio essas lutas até onde seus protagonistas, no caso do movimento negro os negros e as negras, no caso do movimento pela moradia as pessoas sem moradia, me permitem apoiar. Eu não sou negra, jamais fui vítima de racismo, também nunca estive numa situação de rua, não sei o que é dormir com medo de um cretino jogar gasolina no meu corpo e me incendiar enquanto eu durmo e não tenho qualquer chance de me defender. Essas coisas eu não conheço, o que eu então posso falar sobre elas além do que eu fico sabendo por pessoas que as conhecem e as vivenciam todos os dias de suas vidas? Nada! O que eu posso fazer é ajudar a repercutir suas vozes, talvez compartilhando um link nas redes sociais, contando para meu círculo de amizade o que eu soube, mas eu não posso falar POR essas pessoas, eu não tenho autoridade para isso. Seria arrogância da minha parte pensar que eu tenho qualquer propriedade para contar as histórias dessas pessoas, para defender essas pessoas, melhor do que essas pessoas. São as vozes delas que precisam ecoar e ser ouvidas, não a minha contando o que eu acho sobre suas experiências de vida. Tá dando para entender onde eu quero chegar? 

Vou para um exemplo mais prático. Jean Wyllys, um deputado que eu sigo e respeito muito, se pronunciou sobre aquela série da Globo do Miguel Falabella. Meteu os pés pelas mãos, tentou defender o indefensável: um homem branco e rico que reproduzia estereótipos posando de progressista benfeitor das negras. Oi? 

Vou confessar uma coisa. Assim que eu soube da série e vi os movimentos contra ela no início eu não entendi porque as mulheres negras estavam se opondo à série. Juro que não entendi. Mas antes de destilar minha grande sabedoria pela internet eu parei e fui ler o que elas estavam dizendo. Li artigos escritos por mulheres negras, vi vídeos feitos por mulheres negras, e aí então eu percebi a insanidade de ver um programa desse nível na televisão em pleno século XXI. 

Mas agora eu devo me explicar a partir do meu terreno! Da minha posição: mulher branca, feminista e lésbica.

Eu sei bem o que é ver um homem posando de feminista e metendo os pés pelas mãos. Já cansei de ver, ler e ouvir esses “paladinos” e cansei de ver que quando confrontados com os absurdos que por vezes escrevem eles reagem com enorme agressividade e deixam aflorar com tudo todo o machismo que está no âmago de seus estômagos. É tipo assim mesmo. E eu sei bem o quanto me revolta ver esses caras querendo falar por mim, se dizendo meus defensores, mas quando eu me oponho tenho que ouvir um “fica quietinha aí feminista mal-amada porque o que te falta é uma p*r*c*”.  Senhores, obrigada pela preocupação, mas deixa eu dizer uma coisa: eu dispenso este “zelo”! 

Eu tenho muitos amigos homens, grandes amigos, por acaso nenhum deles se declara feminista. Mas eles não são meu amigos por acaso, eu adotei a política de eliminar sumariamente do meu ciclo de amizades machistas, então meus amigos não são feministas e tampouco machistas (se você ainda não fez a lição de casa, saiba que feminismo não é o contrário de machismo). Meus amigos não se declaram feministas, mas não se omitem de conversar com outros homens sobre coisas que aprenderam com feministas, não se comportam de maneira machista, muitos são namoradeiros, mas nunca os ouvi chamar nenhuma mulher de “vadia”, “piranha” e coisas do gênero. As vezes um ou outro até solta um bordão clássico machista, como um amigo meu que se surpreendeu ao saber que a pessoa que não conseguia estacionar um carro era homem. Mas quando alertados eles se retratam. Depois que eu disse para esse amigo que o que ele disse era machista ele me respondeu “puxa, é verdade, me desculpe!”. É esse o tipo de apoio que eu espero, é esse tipo de apoio que eu divulgo para meus amigos. Se não for esse tipo de apoio que você homem está disposto a oferecer ao feminismo, preciso te informar que eu prefiro a sua omissão.

Falar pelo outro é arrogante e egocêntrico. Se você quer fazer a sua parte comece por ouvir mais o que as pessoas que lidam com machismo, com lesbofobia e suas variantes todos os dias têm a dizer. Mude suas próprias atitudes antes de querer pautar as atitudes alheias. É simples e generoso. Eu tenho feito esse exercício todos os dias.


E para finalizar, um vídeo brilhante para você sacar a importância disso tudo:


segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Os juízes deuses ou os deuses do juízo

Ah o Brasil! Bela terra de contradições, não só pela obviedade das contradições sociais, mas principalmente pelas nossas contradições morais… ou melhor, pela enorme aleatoriedade das coisas que nos causam indignação.

Nessas eleições aflorou com toda a força a indignação contra as “bolsas” distribuídas pelo Governo Federal desde o primeiro mandato de Lula que têm por objetivo atacar um problema crônico no Brasil: a ridícula distância que separa ricos e pobres. As “bolsas”, direito carinhosamente apelidado como “bolsa esmola”, fazem parte de um plano de distribuição de renda que visa atacar justamente a cratera lunar entre “azelite” e “uzpobre”. Não se trata de “dar o peixe… blábláblá” mas de fazer valer a nossa constituição que garante o direitos fundamentais aos cidadãos do Brasil, direitos esses sistematicamente ignorados por uma aristocracia que monopolizou o poder público graças à posse do poder econômico. Não quero ser redundante, você pode aprender mais sobre os programas de redistribuição de renda aqui, algo que eu sugiro fortemente antes que você distribua toda a sua sabedoria no Facebook. 

O fato importante a destacar agora é que os programas de redistribuição de renda estão dando certo. Não, não insista naquele vídeo da “calça de 300 reais” porque ele está longe de refletir a realidade dos programas. Pense em dados mais concretos, como os da ONU, que mostram que o Brasil saiu do Mapa da Fome. Não é pouca coisa paleface. Se você tiver o trabalho de comparar os indicadores sociais do Brasil com o resto do mundo perceberá que ainda há muito a avançar, mas que demos um grande passo nos últimos anos. [agora você pode fazer o “mimimi o FHC estabilizou a economia”… fez? Ok!]

Bem, esse programa que na verdade não custa muito ao governo, mas que gera benefícios enormes, recebe as mais vorazes e insensatas críticas que podem sair das mentes criativas tupiniquins. Engraçado, entretanto, que os benefícios dados aos juízes - as vezes por eles mesmos - são veementemente ignorados pela galerinha do “bolsa esmola”. 

Vou fazer uma lista:

1. Juízes e desembargadores pedem auxílio-educação de 7,5 mil reais por mês para pagar as escolas dos seus filhos. Ah, eu mencionei que eles recebem por volta de 30 mil reais por mês? 
2. Eles também reivindicam 1.100 dilmas, digo "reais", de auxílio-transporte

3. Eles julgam à eles mesmos motivados pelo mais nobre corporativismo, a ponto de inocentarem um juiz-deus que guiava sem carteira de motorista e sem placa de identificação do veículo e ainda condenarem a agente que o parou a pagar uma multa de 5 mil reais ao magistrado maroto. 
4. Os ministros do STF decidem pelo próprio aumento de salário o que causa um efeito cascata em todo o judiciário que também pede aumento.

Tem mais, mas mexe seus dedinhos e pesquisa!

E você aí reclamando do bolsa-família, hein? Que feio! Agora me responda:

1. Como teu chefe te responderia se você pedisse um auxílio para pagar a escola da sua prole de 7,5 mil reais?
2. Qual é o valor do seu auxílio-transporte?
3. O que aconteceria se você fosse pego numa blitz sem carteira de motorista e sem placas no seu carro?
4. Quando você aumentou pela última vez o seu próprio salário?

Mais: advinha do bolso de quem sai a grana para pagar as regalias dos juízes? 

Manolo, se pá seus impostos servem mais para bancar a vida boa da nobreza do que o pão do pobre. 

Entre ajudar a pagar a escola do filho do camarada que ganha 30 mil por mês eu prefiro ajudar a manter uma criança pobre na escola. 

Agora pode doar para a rifa da igreja! E não se esqueça de doar ainda suas lágrimas para a Cantareira. O hábito faz o monge. 

Campanha pela arrecadação de lágrimas para a cantareira

Multiplicam-se pela internet vídeos emocionantes que mostram toda a rebeldia coxinhesca que eclodiu pelo Brasil depois da vitória de Dilma. É muito choro, é muito patriotismo e muito separatismo também, por que não? 

Pergunto-me porque toda essa gente emocionada não faz uma boa ação e não doa suas lágrimas para contribuir com a recuperação da Cantareira? 


Pela solidariedade, pelo enobrecimento d’alma brasileira e contra a cubanização bolivariana lulo-dilma-petralha do Brasil: DOE SUAS LÁGRIMAS PARA A CANTAREIRA!

Porque não adianta fazer só cara feia!

sábado, 1 de novembro de 2014

As eleições mais piradas das últimas décadas

Depois de um enorme tempo sem escrever para esse espaço retorno depois da ressaca das eleições mais emocionantes que vivi. A trágica reviravolta causada pela morte de Eduardo Campos colocou a política, mas antes de tudo os corações dos brasileiros, numa montanha-russa insana. Gostaria de “palpitar” um pouco sobre esses meses loucos :)


Marina Silva despontou como a grande ameaça à reeleição da Dilma até que sua imagem se desfarelou, penso eu, principalmente depois que ela cometeu um erro inacreditável: se dobrou diante da pressão do pastor aloprado Silas Malafaia. Acho que os nossos representantes ainda não entenderam que a influência eleitoral de gente como o Malafaia é significativa apenas entre os fiéis deles. De fato é importante o suficiente para eleger deputados e vereadores, mas não determinam o resultado de eleições para o poder executivo. Em geral os brasileiros felizmente não aceitam bem a influência religiosa nos cargos executivos, que o diga Marcelo Crivella que nunca conseguiu chegar à prefeitura ou ao governo do Estado do Rio de Janeiro. Se ele foi ao segundo turno nessas eleições deve mais à rejeição de Garotinho e Pezão do que a qualquer outra coisa. Tanto isso é verdade que em sua campanha Crivella se esforçou por desligar sua imagem da IURD. Marina errou ao não perceber isso e quando mudou seu programa de governo para agradar ao pastor aloprado perdeu um enorme número de eleitores jovens e progressistas que por sinal constituíam o grande eleitorado dela. A perda desses eleitores influenciou também na derrota de Aécio já que Marina não conseguiu transferir os votos desses eleitores para Aécio. É que esses eleitores não são os eleitores clássicos do PSDB que votam acima de tudo para derrotar o PT, são eleitores que não se identificam com discursos de ódio e tampouco com o neoliberalismo, ódio e neoliberalismo esses que mobilizaram os eleitores mais barulhentos do Aécio Neves. Tocamos aqui num ponto sensível dessas eleições.

A ilustração perfeita da fábula " a Lebre e a Tartaruga"
Li em algum lugar, e me desculpo desde já com o(a) autor(a) da análise por não me recordar de seu nome, que o pior inimigo de Aécio nessas eleições foram seus próprios eleitores. Esqueça o engodo da grande mídia que diz que a culpa foi da suposta campanha de difamação promovida pelo PT - como se o PSDB não tivesse feito o mesmo - e pense na enorme quantidade de pessoas que não votaram em Aécio porque se assustaram com os setores que a campanha dele mobilizou! Estou falando, mais uma vez, de gente como Malafaia que manifestou apoio à Aécio, mas também Feliciano, Jair Bolsonaro, militares da reserva saudosos dos tempos da ditadura, racistas, xenófobos, homofóbicos. Muita gente que não votou na Dilma deixou de votar no Aécio por causa dos eleitores do Aécio, isso ajuda a entender a enorme porcentagem de votos nulos e brancos dessas eleições. A campanha de Aécio falhou miseravelmente em não conseguir mostrar que esses setores reacionários não seriam contemplados num eventual governo PSDB. Por mais que eu não simpatize com o PSDB, é óbvio que o partido não se enquadra na categoria de extrema-direita. Eu li, por exemplo, o plano de governo do Aécio voltado para a população LGBT e ele não era tão diferente do plano do PT. A diferença entre o PSDB e o PT não está tanto na forma como os partidos lidam com questões de direitos humanos, na minha avaliação, é mais uma diferença no planejamento das políticas econômicas. O PSDB deveria ter batido mais nessa tecla, não o fizeram provavelmente para não perderem os eleitores conservadores, mas com isso perderam votos importantes que podem ter determinado o resultado das urnas. 

E nesse sentido a campanha do PT foi brilhante. Acho que os marketeiros do PSDB deveriam faz um worshop com a equipe do PT (hehehe). Quando Malafaia mais uma vez teve um dos seus chiliques homofóbicos a campanha da Dilma reagiu imediatamente e a hashtag #MenosOdioMalafaia ficou no topo dos assuntos mais comentados do twitter por horas. Assim a Marina involuntariamente deve ter transferido alguns votos para a Dilma, não duvido que muita gente que desistiu de votar na Marina depois que ela cedeu ao Malafaia nesse momento migrou para o voto no PT. Dilma por exemplo ganhou no Rio de Janeiro, Estado com uma tendência mais progressista em relação ao grosso do eleitorado de São Paulo que é mais conservador, mas não de extrema-direita! Muito embora as oposições mais raivosas contra a vitória de Dilma venham de São Paulo, essa galera não representa o estado. Quantas pessoas foram protestar na Paulista nesse sabadão? 3 mil? 4 mil? O que é isso perto dos milhões que vivem só na capital? Pouco, muito pouco. Os paulistas em sua maioria votaram no Aécio não porque se identificam com a extrema-direita que colou na campanha dele, mas porque se indignaram com as acusações de corrupção contra o PT. Os paulistas votaram para o PT perder. 

Dilma preocupada com os coxinhas
Já o PT está numa posição delicada. Dilma ganhou com muito aperto e vai enfrentar um congresso muito hostil. Mais do que nunca o PT vai precisar do apoio popular e já nas eleições o partido percebeu de onde esse apoio vai vir: das esquerdas. A militância que andava desconfiada com o PT se engajou com tudo nessa campanha diante do crescimento meteórico do Aécio, sem dúvidas o apoio da esquerda foi decisivo para a vitória do PT e ao sacarem isso a campanha assumiu um discurso mais à esquerda. O PT saiu do armário nessas eleições, deixou de ficar em cima do muro em temas importantes, como o combate à homofobia, e trouxe à luz algumas de suas bandeiras históricas que andavam no baú para agradar à base aliada. Devem ter notado que essa base não é tão aliada assim e embora seja importante nos próximos 4 anos por questões de governabilidade pouco influenciou no resultado das urnas. Embora a situação seja difícil para o partido pode ser positiva para o Brasil. Eu sigo a Dilma no facebook e a página dela anda postando coisas muito legais, destaque para a defesa de um novo Marco Regulatório das Comunicações no Brasil e a insistência na importância da Reforma Política. É claro que esses dois temas mexem com interesses de poderosos e sem o amplo apoio popular o PT corre o risco de ter suas propostas empacadas no congresso conservador que foi eleito. Mas foi justamente por essas propostas que as esquerdas se mobilizaram pelo PT… e continuam mobilizadas. Tenho certeza que o PT não vai vacilar agora e vai se esforçar para manter essa mobilização.

Muita coisa mudou nesses últimos meses, tenho cá para mim que essas eleições serão um marco divisório na história do Brasil e minha esperança é que seja para o bem. 

Bom, ainda não disse tudo o que eu quero dizer, mas vou deixar para o próximo capítulo. 

Por enquanto fecho com uma homenagem à “cubanização” do Brasil! (desculpa, não resisti! rsrsrs)



Hasta la vista! 


Euzila no Twitter: @Veromaat