terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Ódio.com (Parte 2)

Decidi continuar a falar sobre o ódio que é extravasado na internet. Meu foco será em relação ao ódio contra as mulheres e as razões são simples. Pesquisas indicam que mulheres são as pessoas que mais sofrem ameaças no mundo virtual - não por acaso no mundo não-virtual são as maiores vítimas de crimes sexuais também. O fato é que avançamos bastante contra o racismo e a homofobia. Precisamos avançar mais, mas pelo menos projetos de leis que especificam o racismo e a homofobia como crimes ao menos foram pautados. Já sobre o machismo e a misoginia ainda há pouco, muito pouco. As mulheres ainda são pouco contempladas no que se refere à políticas públicas de combate ao preconceito mesmo sendo elas os principais alvos. 

Já os grandes meios de comunicação pouco colaboram. Crimes como o Massacre de Realengo - cuja principal motivação foi a misoginia - foram tratados superficialmente pela mídia. Praticamente nenhum grande jornal ou portal de notícia destacou o fato de que o atirador fazia parte de comunidades machistas e atirou para matar principalmente meninas. O atirador participava de fóruns e comunidades misóginas, ali recebeu estímulo para levar adiante seu plano infame e a tragédia aconteceu. 

O fato é que essas comunidades misóginas - conhecidas pelo termo "masculinistas"- se proliferam sob as vistas grossas das autoridades. Nessas comunidades o ódio e o estímulo à violência contra as mulheres são livremente pregados sem que os homens por trás dos perfils fakes sejam minimamente importunados pela polícia. A situação é grave. 

Mas ainda mais grave é perceber que não apenas nesses ambientes declaradamente misóginos o ódio contra as mulheres rola solto. Em grandes portais de notícias comentários machistas e misóginos chegam a ser a maioria em notícias que tratam da violência contra as mulheres. O caso mais recente é essa matéria da Folha de S. Paulo.

A matéria é uma das raras ocasiões em que o machismo e a misoginia são tratados de maneira minimamente séria por um grande veículo de comunicação. A matéria é boa, dá voz às mulheres que são alvos das ameaças e traz uma discussão sobre o assédio contra as mulheres na internet. Fui conferir os comentários e não me surpreendi. Sempre o mais do mesmo. 


Esse primeiro comentário insiste numa velha prática: colocar o feminismo como o contrário do machismo. Aqui a falácia é aplicada sob um outro espectro: colocar a misandria no mesmo patamar que a misoginia. A desonestidade do comentário é óbvia. Qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento sobre o feminismo sabe que:
1. Feminismo não é o contrário de machismo. Enquanto o feminismo luta pela igualdade de direitos o machismo é um sistema de opressão que perpetua a desigualdade entre homens e mulheres. 
2. Nenhum homem foi morto por ser homem, simplesmente o fato de ser homem não é fator estimulante para que um assassinato seja cometido. Por outro lado, mulheres são mortas todos os dias por serem mulheres.
3. Feministas não odeiam homens. O fato de feministas lutarem pelos direitos das mulheres não significa que elas odeiam os homens. Desde quando lutar por direitos de um grupo significa odiar outro grupo?


Esse segundo comentário é tão absurdo que chega a ser cômico. Posso retomar os argumentos que usei para o primeiro comentário. O fato de lutar pelo direito das mulheres não significa atingir os direitos dos homens e a luta não é motivada por "inveja" dos homens (ai, ai Freud...). A questão é simples: mulheres são atingidas cotidianamente pelo machismo e misoginia. Mulheres são assediadas nas ruas e na internet, são vítimas da violência doméstica, são tratadas como cidadãs de segunda categoria. Isso não é novidade. Num determinado momento um grupo de mulheres disse não! Um grupo de mulheres se rebelou e nasceu o feminismo (estou simplificando absurdamente a história, é só para ilustrar por enquanto). O feminismo é assim um movimento que luta contra a violência contra as mulheres e pelo direito das mulheres. Agora me respondam: qual é a relação disso com "inveja de homens"? 

Acho que já deu para ter um gosto de como essa série vai se desenvolver, certo? Aqui iremos destacar o ódio contra as mulheres que infesta a internet, infesta a internet porque é algo que infesta a própria sociedade. O método será:

  1. Verificarei notícias que falam sobre mulheres/feminismo e lerei os comentários destacando aqueles que expressam machismo e misoginia;
  2. Colocarei os prints e rebaterei os argumentos mais comuns usados pelos machistas/misóginos.
  3. Uma vez que os comentários são públicos não ocultarei a autoria das mensagens. 
Apertem os cintos! A viagem para as mentes sombrias de machistas e misóginos está apenas começando.


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Prefeito de São Paulo humilha Villa e Sheherazade

Tranquilão esperando suas perguntas


Entrevista matadora do prefeito de São Paulo na Jovem Pan! Haddad com muita tranquilidade demoliu os argumentos frágeis e sensacionalistas do “historiador” Marco Villa e da “jornalista” Rachel Sheherazade. Eu coloco jornalista e historiador entre aspas porque pessoas que conduzem entrevistas desse nível envergonham suas profissões. 

Posso falar de Villa com mais propriedade.

Uma/um historiadora/dor tem OBRIGAÇÃO de fazer análise de longo prazo e confrontar dados. Fazer análises baseado no que ele vê, sem analisar e comparar dados e conjunturas é um erro vergonhoso e tão grotesco que duvido seriamente da formação do senhor Villa. Ou deveria duvidar da honestidade dele? Porque um historiador que deliberadamente ignora dados para usar de sua autoridade a fim de promover uma ideologia é um criminoso. Essa história eu conheço, Villa também deveria conhecer. Poucas áreas do conhecimento foram tão torturadas como a história a fim de legitimar os maiores crimes. Triste ver que ainda há historiadores que se prestam à esse papel. 

Haddad, por sua vez, deu show. Conseguiu responder com muita segurança as perguntas, conhece os dados, conhece a cidade e mostrou que planeja as políticas que conduz. Evidentemente que Haddad não é e nem será popular nos bolsões de riqueza de São Paulo, habitat do que há de mais retrógrado e tacanho na sociedade brasileira contemporânea. Gente que não quer abrir mão de absolutamente nenhum conforto pelo bem comum. Gente que não sai de seus carrões, que nunca saiu de seus bairros ricos. A política de Haddad contempla uma população de periferia que foi sistematicamente negligenciada pelo poder público. Essa população não é de interesse da Jovem Pan, da Veja, do Estadão. Essa população é aquela que os nobres moradores de Higienópolis admitem apenas como limpadores da sujeira que produzem em suas coberturas, ao menor aceno para os direitos dessa população a elite raivosa ouvinte da Jovem Pan e leitora da Veja baba de ódio. 


Sem mais delongas, um link para a entrevista. É longa, mas vale cada minuto. Cada minuto que demole a canalhice de certas pessoas que dominam a mídia coorporativista. 


domingo, 22 de fevereiro de 2015

Ódio.com



É surpreendente como a humanidade ainda não se auto-destruiu. Sério. Eu fico olhando alguns comentários na internet e tenho ficado um pouco paranóica. Quando pego transporte público me pergunto quantas daquelas pessoas que estão ao meu redor são aqueles personagens anônimos que destilam ódio na internet. Quantas daquelas pessoas que me rodeiam escrevem em notícias de estupro dizendo que a vítima “mereceu”? Quantas daquelas pessoas ameaçam pessoas como a Lola com violência sexual e esquartejamento só porque ela ousa falar de feminismo? Quantas daquelas pessoas comentaram que Jandira Magdalena Cruz, que morreu após um aborto realizado clandestinamente porque o Estado brasileiro é omisso, comentaram que Jandira mereceu a morte que teve? 

Homem comenta sobre a morte de Jandira Magdalena Cruz


Eu assisti o vídeo da Giovana, aquela menina que acaba em maus lençóis depois que o forninho caiu sobre ela. Caí na besteira de ler os comentários e li gente - os mesmo moralistas que defendem embriões - chamando a garotinha de “puta”. O que leva uma pessoa a chamar uma menininha de “puta” só porque estava dançando em casa? Para essas pessoas a “vida” e a “dignidade” das crianças (embriões, no caso do início da gestação) valem enquanto estiverem no útero das mulheres. Depois que nascem, especialmente se forem meninas, não importa mais. Depois que nascem vale chamá-las de “putas” por causa de uma dança dentro do quintal de casa. 

Homem xinga criança em comentário no vídeo "Eita Giovana"


É uma psicopatia coletiva, uma falta de empatia generalizada, o triunfo da crueldade. Estamos cercadas por pessoas que não pensam antes de opinar, que usam da segurança da internet para xingar, ameaçar, humilhar. Eu me pergunto se algumas pessoas realmente pensam o que escrevem ou se usam da internet para darem vazão à suas segundas personalidades psicopatas. Nenhum dos cenários é entusiasmaste, na realidade. 

Com tanto ódio, com tanta falta de compreensão, como ainda estamos aqui nesse planeta? 

Danilo Gentili, um dos seres mais repugnantes que ocupam horário na televisão (uma concessão pública que deveria cumprir função social, é sempre bom lembrar) tem milhões de seguidores fiéis no twitter. Um exército raivoso que defende o “ídolo” que diz o que eles pensam. Que diz que negras/os merecem bananas, que dispara sem cessar piadas machistas e misóginas, que sob o manto da inatacável “piada” não pensa duas vezes em vomitar o que ele pensa de verdade sobre negras/os e mulheres. Para ele e seus seguidores risadas boçais são mais preciosas do que a dignidade de outros seres humanos. Onde isso vai parar? 


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Uma crônica de merda

É muito difícil impedir que as pessoas digam merda. Primeiramente porque o sentido de “dizer merda” é muito subjetivo. Há muitos anos, quando eu ainda era uma adolescente deslumbrada, o namorado de uma amiga minha me contava que o professor de biologia dele dizia muita merda. Perguntei que tipo de merda ele dizia. O nobre rapaz, evangélico de carteirinha, me disse que o professor dizia que os homens vieram do macaco. Se o professor realmente disse “os homens vieram do macaco” eu concordaria que ele disse merda, mas duvido que a história tenha sido bem essa. Enfim, para o moço o professor dizia merda, para mim ficou o ponto de interrogação. 

E?

É que eu me vejo obrigada à retornar à pasta “Silvia Pilz”. Circula agora um texto que ela publicou há uns meses, texto mais antigo do que aquele sobre procriação, pobres e planos de saúde. Nesse “novo” texto, que na verdade é pré-histórico dada a tempística da internet, nossa colunista diz que tem uma tara em chamar “anões de anões”, que pessoas com síndrome de Down são estranhas, que crianças negras são feias e que todo mundo quer ser loiro de olhos azuis. 

Fico me perguntando quais são as fontes de Pilz para dizer que todo mundo quer ser loiro de olhos azuis. Diante da qualidade do raciocínio dela imagino que como ela gostaria de ser loira de olhos azuis deduziu que todo mundo tem o mesmo desejo. Deve ter muita gente que como ela faz masturbação mental imaginando possuir olhos claros e cabelos loiros. Mas deve ter muita gente feliz com suas peles negras, cabelos crespos e olhos castanhos. Tem muita gente feliz e muita gente que queria ser outra coisa. Vi um programa em que um menininho declarava que quando crescer quer ser um coelho. Eu preferiria ser o cachorro do meu colega de casa, que passa seus dias deitado sem preocupações recebendo cafuné e olhando pela janela. 

Na minha opinião Pilz falou merda. Tem gente que queria ter olhos claros e cabelos loiros que pode pensar que não. 

Imagino como uma pessoa com nanismo se sinta ao receber a inédita notícia de que causa estranheza. Os olhares indiscretos que recebem todos os dias na rua não devem fazer essas pessoas pensarem que Pilz escreveu alguma novidade. Talvez o que as surpreenda mais seja o fato de que Pilz quer ter o direito de chamá-las de “anão”. O que ela ganha com isso eu não sei, deve ser alguma tara estranha. Para mim gente que tem esse tipo de tara tem uma cabeça de merda e costuma dizer merda. Mas isso é bastante relativo. Tem uns humoristas sem-graça que pensam o mesmo que Pilz. Eles concordam entre eles. Eu só penso que dizem merda, muita merda. 

Uma amiga de uma tia minha tem um filho com síndrome de down. Ele é filho único e vive com a mãe. Os dois têm uma linda sintonia e relação. Ele terminou o ensino médio, foi mais devagar que outras crianças, mas terminou. Tem gente que não tem down e não termina. Todo mundo tem dificuldades, o que separa os fortes dos fracos é como enfrentam essas dificuldades, com ou sem a síndrome de down. Ele enfrentou com bravura. Hoje ele trabalha, é um cara relativamente independente e um filho zeloso e carinhoso com a mãe. Para Pilz ele causa desconforto. Para mim causa desconforto filhos ingratos que negligenciam as mães e pais. Pessoas têm taras e desconfortos muito diferentes, mas muitas vezes essas coisas são determinantes para a produção de discursos que podem ser inseridos no guarda-chuva semântico do “dizer merda”. 


Pilz me fez escrever um texto descontinuado porque me causa um enorme desconforto. É que o que realmente me causa desconforto é dizer muita merda. Mas acho que tanto Pilz quanto outros produtores de merdística devem poder continuar a produção. Aí ficamos sabendo o que pensam, aí rimos na cara deles e imaginamos o quanto tem gente que diz merda. Da merda nascem flores. Que os arautos da merdística nos façam pessoas melhores.  

E o hit de hoje é: